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A escola como o início e o fim para lidar com o caos

Mesa com Cida Bento e Sueli Carneiro, que abordou diversidade e equidade como ponto central, encerra o primeiro dia do II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP

Mesa com Cida Bento e Sueli Carneiro, que abordou diversidade e equidade como ponto central, encerra o primeiro dia do II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP

 Por: Arlete Vasconcelos, comunicação Sesi-SP
17/09/202418:14- atualizado às 18:20 em 17/09/2024

Encerrando o primeiro dia do II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, em 16/9, a mesa redonda com o tema “Filosofia e Educação: aprender a viver em meio ao caos” trouxe duas das mais reconhecidas palestrantes, históricas no movimento negro brasileiro, as doutoras Sueli Carneiro e Cida Bento.

Antes da mesa redonda, as centenas de professores e profissionais da educação presentes presencialmente e online, puderam acompanhar o show da cantora e compositora da MPB, Luedji Luna, que traz em suas músicas a cultura e ritmos afro-brasileiros.

 

show da cantora e compositora da MPB, Luedji Luna
Foto: Karim Kahn / Sesi

 

Sueli Carneiro iniciou agradecendo a honra de estar ao lado de sua amiga Cida Bento, para o debate. Com o recorte de parte do título da mesa, sobre viver em meio ao caos, a palestrante considera que essa é uma condição das mais duradouras, que inicia desde a infância, sendo a escola como um rito de passagem para a discriminação racial.

A lembrança que traz sobre a história do Brasil aprendida na escola, repassada nas salas de aula, pelos professores e livros didáticos, trazia a versão da cordialidade e submissão do povo africano, como se tivesse se rendido ao trabalho escravo, e a princesa Isabel como a grande libertadora. “Fizeram acreditar que somos pessoas sem raízes, desprovidos de intelecto. Esse é o epistemicídio, o apagamento das nossas raízes”, afirma.

Mais recentemente, no início dos anos 1980, diversos aspectos do papel social subalterno e os estereótipos racistas estavam sendo discutidos, como a cultura brasileira e dos povos africanos antes dos anos coloniais. No entanto, a revisão do currículo esbarrou na falta da formação do professor e de recursos pedagógicos para educação em sala de aula, segundo Carneiro.

Segundo ela, a partir da promulgação da Lei 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade da temática do ensino da história e cultura afro-brasileira, a Lei de Cotas para negros nas universidades, acreditou-se que o país havia entrado em uma mudança permanente na questão racial.

Mas a implementação da lei que deveria ser um marco nas questões da diversidade e do racismo, passados mais de 20 anos, ainda não é realidade. Apenas 29% dos municípios vêm implementando essa lei, como aponta pesquisa recente”, diz ela.

 

Sueli Carneiro, durante palestra no II Congresso de Educação.
Foto: Karim Kahn / Sesi

 

Carneiro acrescentou ainda que, em 2021, a evasão escolar de meninas negras aumentou consideravelmente durante a pandemia, o ensino remoto não atingiu equitativamente os alunos. Em 2022, uma pesquisa com meninas negras do ensino fundamental, mostrou que o racismo e o sexismo que enfrentavam eram frequentemente silenciados em salas de aula.

A educação deve ser um instrumento de transformação social. O cenário exige um esforço cívico, de desafios diários, em ambientes de grande pressão. As primeiras experiências de violência racial começam na escola e determina inclusive trajetória de vida, penalizando mais de 60% das pessoas do país”, afirma. Para ela, a escola deveria ser local de acolhimento, com o desenvolvimento de educadores, alunos e gestores que lutam para manter a cultura de paz. É preciso ainda fortalecer o vínculo entre a escola e a comunidade, em uma rede de apoio sólida.

A palestrante enfatizou que a educação precisa ser problematizada, sobre esse caos que é contínuo e coletivo. É necessário novas formas de resolução de conflitos, ensino crítico e de emancipação, além da fiscalização do cumprimento das leis e implementação de recursos para a formação de professores. Trabalhar por uma educação que promova a justiça social.

Sinceramente, precisamos desejar um projeto de nação em que possamos caber todos, todas e todes. Combater o racismo e sexismo no ambiente escolar não é uma escolha, é uma condição inequívoca para construir a sociedade justa e igualitária pela qual todos lutamos”, finaliza.

Ao iniciar sua fala, a professora Cida Bento lembrou que no CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), do qual é cofundadora junto com a educadora Bel Santos, foi idealizado, no início de 2000, o Prêmio Educar para Igualdade Racial e de Gênero. Isso antes da lei que alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a partir da inclusão do estudo da história e cultura afro-brasileira e africana.

Bento explica que já havia muitas iniciativas de professores para buscar a equidade racial. O prêmio iria mapear o que estava acontecendo na educação nesse campo, todos os esforços dentro da sala de aula, além dos esforços das Secretarias. Nesses 20 anos, já somam quase 4 mil experiências, de trocas com o professor de como incidir nesses espaços, retomando as histórias da África, quilombolas e indígenas.

 

Cida Bento, durante o II Congresso de Educação.
Foto: Karim Kahn / Sesi

 

Para a professora, existe uma invariável, a criança negra é a que mais evade, porque o sistema educacional não acolhe a criança negra e indígena. É preciso reconhecer esse caos que permanece em todas as escolas do Brasil.

Não podemos ser uma bolha diferenciada em meio a esse caos. É a partir de nós que a mudança acontece, os movimentos de mulheres, negros, lgbtqi+. São as escolas mais depauperadas, quilombolas, indígenas, que mais preservaram o meio ambiente. Como uma onda, as boas escolas devem impactar e repercutir para a comunidade em questão”, diz.

Nós não estamos protegidos. Existem muitas forças espalhadas pelo país querendo mudar essa realidade e incidir com o que se tem acumulado nas boas escolas de São Paulo. Não é só apoiar uma escola, mas buscar a equidade nas instituições brasileiras, refletindo a diversidade brasileira, organizando o país e lembrando o lugar da educação para seu pleno desenvolvimento, respeitando as diferentes culturas, como diz a nossa LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)”.

Bento ressalta que as escolas podem ser espaços reparadores, não ameaçadores. Segundo ela, é preciso que toda a diversidade esteja nos livros e em todas as dimensões. É assim que vamos diminuir as tensões.

Que vida queremos, qual sociedade queremos, sobre qual humanização estamos falando? Devemos reivindicar, nós e nossas instituições, nos comprometendo com o bem viver. É preciso recuperar o significado da vida e fazermos juntos, com todas as diferenças que nos marcam e que é uma riqueza”, finaliza.

 

Foto: Karim Kahn / Sesi

 

 

Dra. Cida Bento (CEERT/Universidade do Texas)
Considerada uma das mais relevantes intelectuais e ativistas do movimento negro brasileiro contemporâneo, Cida Bento foi eleita pela revista britânica The Economist uma das 50 pessoas mais influentes no mundo da diversidade. Doutora em psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e professora visitante na Universidade do Texas (EUA), também é autora de diversos livros, dentre eles “O Pacto da Branquitude”.
 
Dra. Sueli Carneiro (GELEDÉS)
é uma das principais intelectuais do Brasil. Filósofa, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); fundadora do “Geledés – Instituto da Mulher Negra”, primeira organização negra e feminista independente de São Paulo. Teórica da questão da mulher negra elaborou o único programa brasileiro de orientação na área de saúde física e mental específico para mulheres negras.  É também componente do “Grupo de Pesquisa Discriminação, Preconceito e Estigma da Faculdade de Educação” da USP. Sueli Carneiro é ativista do Movimento Feminista e do Movimento Negro do Brasil; autora de artigos sobre gênero, raça e direitos humanos em diversas publicações nacionais e internacionais. Alguns de seus livros são: Racismo, Sexismo e Desigualdade, Escritos de uma Vida e Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser.

 


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