Mesa com Cida Bento e Sueli Carneiro, que abordou diversidade e equidade como ponto central, encerra o primeiro dia do II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP
Por: Arlete Vasconcelos, comunicação Sesi-SP
17/09/202418:14- atualizado às 12:02 em 21/10/2024
Encerrando o primeiro dia do II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, em 16/9, a mesa redonda com o tema “Filosofia e Educação: aprender a viver em meio ao caos” trouxe duas das mais reconhecidas palestrantes, históricas no movimento negro brasileiro, as doutoras Sueli Carneiro e Cida Bento.
Antes da mesa redonda, as centenas de professores e profissionais da educação presentes presencialmente e online, puderam acompanhar o show da cantora e compositora da MPB, Luedji Luna, que traz em suas músicas a cultura e ritmos afro-brasileiros.
show da cantora e compositora da MPB, Luedji Luna
Foto: Karim Kahn / Sesi
Sueli Carneiro iniciou agradecendo a honra de estar ao lado de sua amiga Cida Bento, para o debate. Com o recorte de parte do título da mesa, sobre viver em meio ao caos, a palestrante considera que essa é uma condição das mais duradouras, que inicia desde a infância, sendo a escola como um rito de passagem para a discriminação racial.
A lembrança que traz sobre a história do Brasil aprendida na escola, repassada nas salas de aula, pelos professores e livros didáticos, trazia a versão da cordialidade e submissão do povo africano, como se tivesse se rendido ao trabalho escravo, e a princesa Isabel como a grande libertadora. “Fizeram acreditar que somos pessoas sem raízes, desprovidos de intelecto. Esse é o epistemicídio, o apagamento das nossas raízes”, afirma.
Mais recentemente, no início dos anos 1980, diversos aspectos do papel social subalterno e os estereótipos racistas estavam sendo discutidos, como a cultura brasileira e dos povos africanos antes dos anos coloniais. No entanto, a revisão do currículo esbarrou na falta da formação do professor e de recursos pedagógicos para educação em sala de aula, segundo Carneiro.
Segundo ela, a partir da promulgação da Lei 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade da temática do ensino da história e cultura afro-brasileira, a Lei de Cotas para negros nas universidades, acreditou-se que o país havia entrado em uma mudança permanente na questão racial.
“Mas a implementação da lei que deveria ser um marco nas questões da diversidade e do racismo, passados mais de 20 anos, ainda não é realidade. Apenas 29% dos municípios vêm implementando essa lei, como aponta pesquisa recente”, diz ela.
Sueli Carneiro, durante palestra no II Congresso de Educação.
Foto: Karim Kahn / Sesi
Carneiro acrescentou ainda que, em 2021, a evasão escolar de meninas negras aumentou consideravelmente durante a pandemia, o ensino remoto não atingiu equitativamente os alunos. Em 2022, uma pesquisa com meninas negras do ensino fundamental, mostrou que o racismo e o sexismo que enfrentavam eram frequentemente silenciados em salas de aula.
“A educação deve ser um instrumento de transformação social. O cenário exige um esforço cívico, de desafios diários, em ambientes de grande pressão. As primeiras experiências de violência racial começam na escola e determina inclusive trajetória de vida, penalizando mais de 60% das pessoas do país”, afirma. Para ela, a escola deveria ser local de acolhimento, com o desenvolvimento de educadores, alunos e gestores que lutam para manter a cultura de paz. É preciso ainda fortalecer o vínculo entre a escola e a comunidade, em uma rede de apoio sólida.
A palestrante enfatizou que a educação precisa ser problematizada, sobre esse caos que é contínuo e coletivo. É necessário novas formas de resolução de conflitos, ensino crítico e de emancipação, além da fiscalização do cumprimento das leis e implementação de recursos para a formação de professores. Trabalhar por uma educação que promova a justiça social.
“Sinceramente, precisamos desejar um projeto de nação em que possamos caber todos, todas e todes. Combater o racismo e sexismo no ambiente escolar não é uma escolha, é uma condição inequívoca para construir a sociedade justa e igualitária pela qual todos lutamos”, finaliza.
Ao iniciar sua fala, a professora Cida Bento lembrou que no CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), do qual é cofundadora junto com a educadora Bel Santos, foi idealizado, no início de 2000, o Prêmio Educar para Igualdade Racial e de Gênero. Isso antes da lei que alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a partir da inclusão do estudo da história e cultura afro-brasileira e africana.
Bento explica que já havia muitas iniciativas de professores para buscar a equidade racial. O prêmio iria mapear o que estava acontecendo na educação nesse campo, todos os esforços dentro da sala de aula, além dos esforços das Secretarias. Nesses 20 anos, já somam quase 4 mil experiências, de trocas com o professor de como incidir nesses espaços, retomando as histórias da África, quilombolas e indígenas.
Cida Bento, durante o II Congresso de Educação.
Foto: Karim Kahn / Sesi
Para a professora, existe uma invariável, a criança negra é a que mais evade, porque o sistema educacional não acolhe a criança negra e indígena. É preciso reconhecer esse caos que permanece em todas as escolas do Brasil.
“Não podemos ser uma bolha diferenciada em meio a esse caos. É a partir de nós que a mudança acontece, os movimentos de mulheres, negros, lgbtqi+. São as escolas mais depauperadas, quilombolas, indígenas, que mais preservaram o meio ambiente. Como uma onda, as boas escolas devem impactar e repercutir para a comunidade em questão”, diz.
“Nós não estamos protegidos. Existem muitas forças espalhadas pelo país querendo mudar essa realidade e incidir com o que se tem acumulado nas boas escolas de São Paulo. Não é só apoiar uma escola, mas buscar a equidade nas instituições brasileiras, refletindo a diversidade brasileira, organizando o país e lembrando o lugar da educação para seu pleno desenvolvimento, respeitando as diferentes culturas, como diz a nossa LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)”.
Bento ressalta que as escolas podem ser espaços reparadores, não ameaçadores. Segundo ela, é preciso que toda a diversidade esteja nos livros e em todas as dimensões. É assim que vamos diminuir as tensões.
“Que vida queremos, qual sociedade queremos, sobre qual humanização estamos falando? Devemos reivindicar, nós e nossas instituições, nos comprometendo com o bem viver. É preciso recuperar o significado da vida e fazermos juntos, com todas as diferenças que nos marcam e que é uma riqueza”, finaliza.
Foto: Karim Kahn / Sesi
II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP debate educação e futuro