No I Congresso Internacional da instituição especialistas abordam a construção do conhecimento em sala de aula, formação de professores e experiências de alfabetização
Por: Alex Souza, comunicação Sesi-SP
18/09/202317:43- atualizado às 09:35 em 16/10/2023
Traduzir o mundo real para os alunos e prepará-los para os desafios cada vez mais complexos foram algumas das questões debatidas no I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, que acontece nos dias 18 e 19/9, no Teatro do Sesi-SP.
O evento, com palestras e seminários em discussões com especialistas renomados da área educacional, foi organizado pela Faculdade Sesi de Educação, especializada na formação de professores de educação básica.
Ao dar as boas-vindas, o Superintendente do Sesi-SP, Alexandre Pflug, destacou a importância da instituição de ensino e disse que a entidade escolheu o caminho correto ao valorizar a residência educacional, na qual os alunos participam da prática em sala de aula desde o primeiro ano do curso.
“São 1.280 horas em que o aluno participa da residência, tanto nas escolas do Sesi-SP, quanto em escolas públicas. E esse profissional, que está se formando nas salas de aula, tende a ser um professor diferenciado”, avaliou Pflug.
Para o diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação, Alexsandro Santos a proposta de educação do Sesi-SP rompeu atrasos do ponto de vista da formação dos professores. “Um projeto renovador, democrático, inclusivo e tecnicamente bem estruturado, que vem dando frutos importantes para a educação nacional”, frisou Santos.
Participaram dos debates o historiador Leandro Karnal, a escritora Conceição Evaristo, o educador português José Pacheco, Rita von Hunty, persona drag do ator e professor Guilherme Terreri, o antropólogo, Kabengele Munanga, o cientista político Fernando Abrucio e a professora, antropóloga e historiadora, Lilian Schwarcz.
Considerado um dos principais pensadores do Brasil na atualidade, o professor e historiador Leandro Karnal participou do I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP na segunda-feira (18/9), evento que reuniu diversos especialistas em torno do tema Oportunidades na Educação Contemporânea.
Ao expressar sua preocupação com o papel do professor moderno, que no seu entendimento precisa ser hábil na tradução do mundo real para os alunos, Karnal disse que os métodos não podem ser os mesmos de séculos atrás.
“Hoje não existe mais aquela escola disciplinadora, o modelo prussiano do Século XIX que marcou quase toda a educação ocidental. E nem mais o modelo francês, no qual deveríamos dar todo o conteúdo. A sala de aula deve ser um lugar de reflexão”, ponderou.
O pensador lembrou que, embora a taxa de alfabetização tenha crescido na última década, a redução do número de analfabetos funcionais não seguiu o mesmo ritmo. Ou seja, a educação formal não se transformou em benefício prático para tais alunos.
“E vemos pessoas incapazes de compreender um bilhete, interpretar uma frase simples com sujeito e predicado, alunos com dificuldade de lidar com a matemática básica”, exemplificou o professor. “Se você faz sua turma ler por 5 minutos, isso é um grande avanço”.
Aprendizado e novas tecnologias
Antes do aluno, porém, é o professor que precisa ser um estudante, de acordo com Karnal. Para ele, os docentes não podem usar as mesmas teorias do início da carreira, passados 20 ou 25 anos. “Se você tem uma graduação, é pouco. É necessário fazer uma segunda ou uma pós-graduação”.
Em tempos de Inteligência Artificial na educação, por vezes a tecnologia é apontada como uma vilã. Mas não para Karnal. Ele defende a criatividade como saída para lidar com os novos recursos e que o professor atento a isso conseguirá obter mais sucesso em seus esforços educativos.
“Disciplina não é todo mundo sentado, mas ter foco em tarefas disciplinadoras. O mundo quer pessoas criativas, protagonistas, não apenas quem segue ordens. Isso se dá no mercado de trabalho. E o aluno precisa ser surpreendido por um professor que tenha criatividade”, observou o educador.
Para ele, os professores precisam aprimorar a atividade docente e propor melhorias. Se não o fizerem, advertiu, as respostas serão dadas por burocratas que não entendem de educação. “E se você não ocupar esse espaço, ele será preenchido por outros. Se você não educar o aluno, ele será educado pelos colegas ou pelo TikTok”, alertou. “Escola não é um show de stand up, mas não precisa ser azeda”.
Abrindo a programação de palestras da tarde do dia 18/9, do primeiro dia do I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, Rita von Hunty, Persona Drag do ator e professor Guilherme Terreri, tratou do tema Ética e Educação. Em uma conversa com duração de uma hora, iniciou agradecendo a todos, todas e todes profissionais da educação. “A nossa luta é uma das mais derradeiras pela democracia. É muito bom ver esse auditório cheio e saber que estamos também em transmissão”.
Ao se definir como uma pessoa dissidente do sistema sexo gênero, que passou pela esfera de educação e que hoje é uma educadora, a proposta de Hunty é que o eixo de debate sobre a ética na educação se coadune com a palestra da escritora Conceição Evaristo e do antropólogo Kabengele Munanga e com o show de Liniker, previstas para a sequência.
Nesse contexto, sua primeira citação foi o historiador da intelectualidade francês, Didier Eribon, um dos biógrafos do Michel Foucault, entre os maiores filósofos que viveu no século XX. Didier diz que o trabalho intelectual de Foucault era uma revolta contra os poderes da normalização, que são capazes de instaurar o normal e a partir daí violentar o anormal, instaurar a regra e a partir daí violentar e violar a dissidência, instaurar a saúde e a partir daí enquadrar e violentar o doente.
Autor de Reflexões sobre a questão gay, Didier faz uma ponte com outro filósofo francês, o existencialista Jean-Paul Sartre, autor de Reflexões sobre a questão judaica, que busca entender como foi possível que uma população fosse destituída de sua humanidade.
Em um parêntese, lembra da psicanalista brasileira Neusa Santos Souza, autora de Tornar-se negro, com seu mestrado de 1983, sete anos antes de Didier, que começou a ser lida 40 anos depois de sua obra ter sido escrita.
“O ponto de inflexão na história da filosofia ocidental tem o objetivo que nos tornemos aptos e instrumentalizados a pensar sobre como um seleto grupo de pessoas faz parte do clube vip da humanidade - como é dito também pelo escritor Ailton Krenak: quem está no clube vip da humanidade?”.
Para Hunty, se a escola não aplicar a ética em todas as esferas, reproduzirá todas as estruturas. Discutir ética e educação tem o papel de colocar um anteparo na barbárie. A ética é a ferramenta para organizar e regular nossas práticas para o bem comum, racionalizar e amenizar os conflitos.
O antirracismo é uma prática, a antimisoginia é uma prática, a anti-homofobia é uma prática. “Não é estrutura que produz o racismo, mas você pode participar da construção social. A ética depende de uma regulação.”
Durante sua palestra, rica em referências e citações, Hunty destacou três autores que mudaram o paradigma sobre a ética. A gênese proposta por Friedrich Nietzsche de pensar o cristianismo como um modelo de aplicação e dominação político social. Os trabalhos de Karl Marx que possibilitam entender a lógica social como uma separação de classes e produtora de um estado que está a serviço de uma classe. E a psicanálise de Sigmund Freud, em nova dimensão humana, que retira a ideia de que somos senhoras e senhores de nós mesmos, já que existe o inconsciente.
Nesse sentido, a Ética Educacional é um conjunto elaborado que passa pelas dimensões técnica, estética e política. É resultado e produto dessas esferas.
A técnica trata do conhecimento. Não há ensino sem pesquisa. A estética é a sensibilidade de conhecer o aluno. É aquilo que afeta, é afeto. Saber quem é o João. Se não se sabe com quem está falando, não é educação.
Hunty cita o educador Paulo Freire, terceiro intelectual mais citado do planeta em humanidades, nas maiores universidades nos cursos de Filosofia, Pedagogia e Direito, que sempre defendeu que educar não é transferir, não é educação bancária, se constrói no coletivo.
“A ética é uma disciplina filosófica, mas isso não aparta você professor de educação física, você professora de química, você professore de matemática, de entender que na sala de aula você atuará como mediador de conflitos. A ética não está apenas naquilo que é passado como conteúdo na sala de aula, mas também na forma que torna aquele conteúdo acessível”.
Por fim, a política é o contexto. Hunty explica que é preciso entender que a educação não sobrevoa as nossas cabeças, mas é fruto das nossas relações. Para Bell Hooks, crítica cultural, pedagoga, autora de Ensinando pensamento crítico e Erguer a voz, entre outros, uma das funções da educação é pensar prazer e liberdade.
A reflexão de Hunty mobiliza para que a nossa revolta seja uma força política, transformando as demandas em exigências. “A educação é feita por um professor em sala de aula. Sem nós não há educação”.
E, para responder à última pergunta aberta aos participantes, a palestrante conclui: “Qual o cenário que eu imagino dentro do capitalismo de emancipação? A revolução da classe trabalhadora”.
Nos últimos anos, o debate sobre a educação antirracista ganhou destaque em todo o mundo, à medida que a sociedade reconhece a urgente necessidade de combater o racismo sistêmico e promover a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. No Brasil, essa discussão tem sido especialmente relevante, dada a diversidade étnica e racial da população, e foi tema do I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, realizado nos dias 18 e 19/9.
Desde de março de 2008, foi instituída a Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Entretanto, como é possível construir uma educação antirracista para além da teoria? Para debater o tema, a escritora Conceição Evaristo, uma acadêmica ativa nos movimentos de valorização da cultura negra no Brasil, compôs a mesa redonda do evento com o antropólogo Kabengele Munanga, professor e pesquisador brasileiro de origem congolense, reconhecido por seu trabalho e contribuições significativas para o estudo das questões raciais, identidade étnica e relações raciais no Brasil.
De acordo com Conceição Evaristo, a efetiva implementação de uma educação antirracista na prática requer que os professores sejam referência, que haja um projeto educacional sólido e que até mesmo os livros didáticos estejam alinhados com essa abordagem.
“É preciso ter mais educadores negros em sala de aula, pois são eles que desempenham um papel crucial nesse processo. Mesmo diante de políticas públicas relacionadas ao tema, é o educador quem desempenha um papel central na construção da educação antirracista no ambiente da sala de aula. Entretanto, se o estado brasileiro não for capaz de pensar políticas públicas educacionais que promovam uma educação antirracista, nós estaremos enxugando gelo. Historicamente, a educação brasileira sempre quis valorizar o status quo de determinadas classes sociais”, disse Evaristo.
Ainda de acordo com a escritora, existem fundamentos que foram concebidos para democratizar o acesso à educação no Brasil, visando atender às camadas populares. No entanto, esses fundamentos não foram capazes de aprofundar a discussão educacional no que diz respeito ao racismo. “Estes pilares não conseguiram colocar o dedo na ferida, e a educação antirracista coloca o dedo na ferida. Para isso, a linguagem racional, inclusiva e libertadora, é uma grande aliada na construção de uma educação antirracista na prática e, analisar se a linguagem na educação é racista, é crucial para esse objetivo”, explicou.
Para Kabengele Munanga, o racismo constitui um dos graves problemas que atormentam a nossa sociedade, e a educação pode contribuir com o seu combate. Porém, a questão que se coloca é como e que tipo de educação. “É por meio da educação que se formam os indivíduos racistas, sexistas ou homofóbicos, e é essa mesma educação que pode descontruir estes”, afirmou Munanga.
O professor acredita que a educação antirracista deve também reconhecer e valorizar as contribuições dos afrodescendentes para a sociedade brasileira e destacar a luta contra a escravidão e o racismo. Ele argumenta que o racismo está enraizado em sistemas sociais, econômicos e políticos, e a educação antirracista deve abordar essas estruturas de forma crítica. Por fim, o professor destaca a necessidade de oferecer formação e capacitação adequadas aos professores para que possam abordar questões raciais de maneira sensível e eficaz.
A educação antirracista é uma abordagem fundamental para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa. Ao implementá-la no ambiente escolar e acadêmico, estamos preparando as futuras gerações para serem cidadãos conscientes, capazes de enfrentar os desafios do racismo e promover a inclusão. No entanto, é importante reconhecer que esse é um processo contínuo que requer o comprometimento de educadores, pais e comunidades para criar um ambiente onde todos possam prosperar, independentemente de sua raça ou origem étnica.
Todo professor já foi aluno. E, durante sua trajetória, cada estudante percebeu diferentes estilos e formas de trabalhar de seus mestres. Essa experiência acumulada ao longo dos anos, como aluno, influencia aqueles que optam pela docência e pode impactar o desenvolvimento da prática docente desse futuro educador.
Esse tema foi objeto de debate na mesa redonda que reuniu as professoras Ruth Arce, da Universidade Diego Portales, do Chile, e Rose Schettini, da Faculdade do Educador (Feduc), durante o I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, na segunda-feira (18/9).
Para a professora Arce, os saberes acumulados ao longo da vida e os que se somam durante a vida acadêmica são parte importante da formação, mas não bastam ao professor. “Não é suficiente saber algo, mas saber como entregar esse conhecimento ao aluno”, afirmou. Para ela, somente a prática docente é capaz de conferir a experiência necessária para que o professor seja eficaz em sua profissão.
Arce classificou a prática como “o coração da tarefa docente”, e disse que o ensino se constrói nos espaços da escola, de forma conjunta com os estudantes. “O processo educativo deve considerar também as expectativas dos alunos, pois mais do que conhecimento precisamos de expectativas em relação ao processo de ensino. A prática permite visualizar a realidade da sala de aula e dos alunos, permite modificar nossos preconceitos”, acrescentou.
De acordo com a professora Schettini, cabe ao docente aproximar o aluno da realidade, e quanto mais cedo fizer isso, melhor. Ela defendeu um olhar mais cuidadoso com a primeira infância e com a formação daqueles que lidarão com esse público, por entender que ela é fundamental para que o processo educativo seja eficaz. “Antes de falar da criança, precisamos olhar para a formação dos professores”.
A fim de elevar a qualidade da docência, seja para a primeira infância ou para os ciclos seguintes, ela defende a mudança do sistema atual e a adoção da residência pedagógica e curso em tempo integral, modelo adotado pela Feduc. “Paramos o curso noturno na Feduc, porque o aluno, esse futuro professor, precisa ter tempo para estudar e estágio no campo real, nas escolas”, explicou. “Se o sistema não mudar, nada muda”.
As escolas não são apenas prédios, são pessoas que aprendem umas com as outras. Este pensamento resume boa parte das ideias e experiências trocadas no I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, que aconteceu nos dias 18/9 e 19/9, no Teatro do Sesi-SP. O evento reuniu educadores, estudantes e pensadores de vários países para debater temas como a atualidade da educação no mundo, propostas de reflexões, práticas exitosas, diversidade e inclusão, alfabetização, políticas públicas, de gestão e, sobretudo, discussões sobre consciência e liberdade.
No painel “Educação para além dos tempos”, o educador português José Pacheco, que já deu grandes contribuições para a educação brasileira, destacou o caldo cultural do país, que é invejável, na opinião dele. “Passei pelos povos indígenas, pelas favelas, onde 75% dos alunos brasileiros vivem, segui por aí e percebi que o Brasil tem uma criatividade que vem de uma mistura impressionante”, diz .
“Cheguei à conclusão de que o centro não é o professor e nem o aluno, não existe centro, o que tem que ter é a criação de vínculo. A melhor educação do mundo está no Brasil, só que os professores brasileiros não sabem, porque vivem num tempo que não é deles. As escolas não são prédios, são pessoas, que aprendem em qualquer momento, uns com os outros”, explicou Pacheco.
Para a antropóloga e historiadora, Lilian Schwarcz, que é professora da Universidade de São Paulo (USP), a diversidade deve ser valorizada. “A beleza da democracia e a beleza do projeto da educação será justamente lidar com os atravessamentos de raça, de gênero e sexo, de região, de geração, que nos farão melhores porque nos farão mais plurais e diversos”, defende. “Temos que fazer da escola não um lugar reativo às mudanças, mas um lugar de protagonismo, um lugar que esteja adiante das mudanças. Estamos vivendo bons ares, como este momento aqui, agora, mas temos muito no que avançar”, completou.
Segundo Lilian, pesquisas vêm mostrando que, quanto mais os países têm educação pública de qualidade, mais a sua população age de forma cidadã e democrática. Quanto mais os países são educados em um sentido amplo, mais haverá espaço ao diálogo, mais serão criados espaço de afeto.
Guibson Trindade, gerente executivo do pacto de promoção da equidade racial, que foi o responsável por mediar a mesa redonda, finalizou a conversa com uma mensagem especial para os professores. Iniciou sua fala com uma citação da jurista Livia Vaz, que diz que a justiça no Brasil é uma mulher preta, e completou: “Além de mulher preta, ela é uma professora. Então está na mão de vocês, a gente está aqui para apoiar. O futuro deste país depende dos professores e a gente acredita em vocês. Fica aqui a nossa gratidão, porque sem o esforço diário de vocês, dificilmente os avanços que já foram conquistados estariam sendo comemorados”, declarou.
Ao encerrar o evento, o gerente de educação do Sesi-SP, Roberto Xavier, fez questão de exaltar a visão da instituição, que há mais de 70 anos acredita que a educação é o principal motor de qualquer sociedade, é aquele capaz de transformar de fato a vida das pessoas. Além disso, mesmo com números expressivos, mais de 140 escolas, estar presente em 112 municípios e ter mais de 100 mil alunos, Xavier reforça que eles não representam a qualidade de cada um de seus professores.
“O professor é o grande protagonista da transformação da educação no nosso país. É no chão da sala de aula que a educação de fato acontece neste país, e nós vimos muito isso nestes dois dias de congresso. Nós precisamos, como sociedade, decidir melhorar a formação inicial dos nossos professores. Precisamos de formação com conceitos, com concepção de ensino e, sobretudo, com práticas dentro da escola. E é essa semente que esse congresso se propõe a plantar e semear ao longo dos próximos 12 meses, já que no ano que vem teremos o II Congresso Internacional de Educação Sesi-SP", concluiu Roberto.
Não é de hoje que os índices educacionais brasileiros apontam para a urgência de ações efetivas a fim de aplacar atrasos na alfabetização. Para citar um de vários dados públicos sobre a temática, o Ministério da Educação anunciou recentemente que 56,4% das crianças brasileiras não estão alfabetizadas (considerando apenas os estudantes do 2º ano do ensino fundamental, em 2021). Em um dos debates do segundo e último dia do I Congresso Internacional de Educação Sesi-SP, gestão colaborativa e formação continuada de professores foram caminhos apontados para que a educação avance.
Para Fernando Abrucio, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, no entanto, a mobilização precisa acontecer com ações desde a primeira infância. “No Brasil, 70% dos municípios não têm esse plano. Para mudar, se faz necessária a ajuda da esfera pública estadual e um trabalho articulado, em regime de colaboração”, afirma. “Saúde, assistência social, família, todos devem ser parte dessa governança. Feito isso em larga escala, significa que em 10 anos teremos entre 80% e 90% de alunos alfabetizados na idade certa”, pontua.
O especialista citou como experiência bem-sucedida de alfabetização no Brasil o plano de educação da cidade de Sobral, no interior do Ceará. O reflexo da atuação iniciada na década de 1990 são as notas 8,8 (em 2015), 9,1 (2017) e 8 (2021), apenas para exemplificar, quando avaliados estudantes dos anos iniciais (1º ao 5º ano) do município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
“Se é com o professor que a criança aprende, eles foram lá e formaram professores”. Com qual metodologia de ensino? Todas possíveis, segundo o especialista. “O que importou foi a preparação e as condições de trabalho”, comentou Abrucio. Também investiram em lideranças escolares, ou seja, diretores que mobilizam seus pares. “Tudo isso pautado em um estudo efetivo para implantação das estratégias”.
Hoje, todos os municípios do Ceará fazem parte desse planejamento, que inclui ainda incentivos fiscais e o prêmio Escola Nota 10. “As escolas com melhores resultados devem disseminar suas práticas e apoiar as escolas com baixo desempenho. Esse é um verdadeiro pacto pela educação, iniciado via poder público, mas o sucesso veio da soma dos grupos que se mobilizaram. Educação não é atividade solitária, de heróis, é coletiva”.
Atualmente, o estado do Ceará tem o melhor resultado do Ideb nos anos iniciais (Ensino Fundamental 1). “Saíram em 10 anos da 13ª posição para a 1ª, e lá permanecerão por pelo menos os próximos 10 anos”, prevê. O especialista destacou que a equidade também está refletida nesses resultados. “Meninos ou meninas, brancos ou negros, todos avançaram”.
Em sua participação na mesa redonda “Gestão Educacional e Capital Humano: experiências de sucesso na alfabetização no Brasil”, Laor Fernandes de Oliveira, gerente de projetos educacionais do Sesi-SP, esmiuçou a estratégia de evolução da alfabetização via gestão participativa e formação de educadores destacada por Abrucio, e acrescentou à discussão que os resultados aparecem quando professores são escutados, lideranças se dedicam às suas competências pedagógicas, e projetos e métodos de ensino se adequam à realidade de cada escola.
“Professores não deveriam ser cobrados por baixo conhecimento numérico dos estudantes, quando a estratégia é priorizar alfabetização em língua portuguesa, nem gestores deveriam abrir mão do pedagógico para resolver questões administrativas”, exemplifica. Ele lembra ainda, que, melhorias de infraestrutura precisam ser garantidas antes de serem feitos investimentos em inovações tecnológicas. “É importante inovar com aplicativos e jogos, mas a escola tem internet boa? O professor será formado para utilizar esses recursos? Esse investimento está de acordo com a proposta de alfabetização, por meio do plano de trabalho docente?”, questiona.
Também pautando suas indagações em projetos efetivos, o especialista citou a experiência do município paulista de São Pedro do Turvo, que desde 2017 aplica a metodologia de ensino do Sesi-SP, da educação infantil ao Ensino Fundamental 1. A parceria resultou no aumento do Ideb de 6,3 (2015), para 7,5 (2017) e 7,7 (2019). “Foi possível com ações simples, rotineiras, como grupos de estudos para atingir alunos com baixo rendimento, com a coordenação pedagógica acompanhando a formação de professores”, exemplificou.
Para além de sua rede de ensino particular, composta por 142 escolas, presentes em 112 municípios paulistas, Laor lembra que o Sesi-SP tem desprendido grande esforço para colaborar com a educação pública paulista por meio do Sesi para Todos, composto por programas gratuitos voltados, principalmente, para a formação de professores e gestores. “Há mais de 70 anos levantamos a bandeira da educação, mas é importante lembrar que ainda é preciso que outras estruturas colaborem para que a alfabetização ocorra. A desigualdade educacional é desafio a ser superado por todos e requer trabalho colaborativo”, conclui.
Datas: 18 e 19 de setembro de 2023
Mais informações em https://congressosesisp.com.br
Programação detalhada em https://congressosesisp.com.br/programacao
Educação antirracista na prática: um compromisso com a equidade
Transformar o conhecimento em aplicação prática
Educação contemporânea em debate no Sesi-SP
Educação antirracista, gestão educacional e capital humano estão entre os temas em destaque