Revoredo
A história de José Gustavo Julião de Camargo com a viola caipira é tão sui generis quanto a proposta deste seu primeiro registro. Compositor e maestro experiente no trato com a orquestra sinfônica, aluno de Almeida Prado, operista e sinfonista, apenas tardiamente – com mais de 50 anos – apaixonou-se pela viola. O certo seria dizer que foi encantado por ela, cativo de seu feitiço. Logo começou a experimentá-la, aplicando o seu espírito antropofágico em sonoridades inusitadas. Dessas experimentações, nasce a sua habilidade no trato prático com as 10 cordas. Desse trato, surge a nova poética, cinzelada por sua experiência multifônica de compositor, sintetizada, agora, na presença do metal. Da necessidade de registro desses arranjos e composições, irrompe uma nova forma de notação, escrita em duas pautas. Per se, essa escrita já configura um legado e tanto para que compositores possam produzir novos repertórios à já notável tradição da viola caipira de concerto, sem que precisem necessariamente ser violeiros. Para quem, como eu, vem acompanhando o compadre Zé Gustavo nesta saga, é uma grande alegria ouvir a gravação de seus experimentos iniciais na viola. E ela já vem com todo o caleidoscópio de referências do Zé: da fusão inusitada da sofisticada Bossa Nova com o jeito caipira de tocar, temos a linguagem de harmonias complexas conjugadas com a melódica caipira, aquela produzida pelo dedo polegar ferindo as duplas oitavadas, materializando uma tradição em outra, como se finalmente pudéssemos ouvir os velhos violeiros do interior de São Paulo tocando a música do cosmopolita Tom Jobim, submetido às ranhuras do aço. Mas não para por aí: de uma tradição que remonta ao tipo de captação das gravações dos anos 60, de outro Julião (da Viola), temos aquele ressoar presente, de plectro rústico, legado de violeiros pioneiros. E as composições de poética inusitada, alusivas ao universo de Guimarães Rosa, serão o deleite do diletante, o regozijo do pesquisador.
A viola, e nós também, agradecemos o presente.
Texto de Lucas Galon
60 min
José Gustavo Julião de Camargo - viola caipira
Natural de Vista Alegre do Alto, o compositor e maestro paulista José Gustavo Julião de Camargo (*1961) iniciou seus estudos musicais em 1978, em Ribeirão Preto, com Mario Nacarato e Cristina Emboaba. Como instrumentista (clarineta e clarone) atuou na Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, Orquestra Jovem de Campinas e no grupo Pipoca Moderna (de 1983 a 1986).
Formou-se (1986) em composição e regência pela UNICAMP, onde foi aluno de composição dos professores Almeida Prado, Damiano Cozzella e Raul do Valle; de regência dos professores Benito Juarez e Henrique Gregori, entre outros. Como diretor musical e arranjador do coro cênico “Bossa Nossa” (de 1991 a 2008) desenvolveu intensa atividade no Brasil e no exterior (Itália e Grécia), com espetáculos como Conversa de botequim (1995); bossa@usp.br (1997), 500 e tantas histórias... (2000, 2001, 2002 e 2004) e O boi caipira (2006).
Já atuou como professor visitante em diversas escolas de música e conservatórios na Itália (Faenza, Ferrara, Cosenza, Perugia e Campobasso). Participou como compositor convidado dos festivais de Música Nova Klangzeit Musik (2012) e Musik Unser Zeit Brasilien (2014), ambos na cidade de Münster (Alemanha). Trabalhou como assistente de direção musical do Festival Música Nova-Gilberto Mendes de 2011 a 2019. Foi diretor artístico e maestro da Banda Mogiana de 2002 a 2019. É coordenador brasileiro do festival Fiato Al Brsaile desde 2012 na cidade de Faenza (Itália). É compositor de obras para teatro, música de câmara, vocal e instrumental, coral, ópera e sinfônica. Destacam-se ainda a cantata Ode a Zumbi, comandante guerreiro, para coro e orquestra; a ópera Café – em três atos, para coro e orquestra, esta última com libreto de Mário de Andrade, e o Concerto para viola caipira e orquestra. Desde 1988, é orientador de estruturação musical do Departamento de Música da FFCLRP-USP, Campus de Ribeirão Preto. Atua ainda como membro no Nap-CIPEM (Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance em Música da FFCLRP-USP) e maestro assistente da USP-Filarmônica.
Como instrumentista (Viola Caipira) apresenta-se como solista e nos grupos: “Brasil Matuto Ensemble”, “Mentemanuque Ensemble”, “Nando Araujo Trio” e “Tempo Forte Trio”. É produtor e apresentador do programa “Revoredo, o som da Viola Caipira instrumental” no 107,9 FM da Rádio-USP Ribeirão Preto e no 93,7 FM da Rádio –USP São Paulo.